21/07/20

"Abre a porta, Wilma!", disse Alcibíades

The History of the Peloponnesian War

Thucydides, trad. Richard Crawley

The History of the Peloponnesian War

Thucydides, narrado por Mike Rodgers




Tout commence en mystique et finit en politique.

Charles Péguy

Desconfiava que a política é o que resta dos ideais depois da digestão. Agora, não tenho muitas dúvidas. Acho desinteressante, porque nunca tive Machtwille e a coprofilia passa-me ao lado. Garantem-me, no entanto, que esta atitude é tão política como qualquer outra, o que me deixa bastante triste. Não sabia que a minha vida privada tinha um significado, ainda por cima político, e só me resta cagar (politicamente, claro) nessa ideia.

Não participo, mas gosto de ver os debates políticos nas redes sociais como quem vê documentários da BBC; os documentários da BBC têm David Attenborough a explicar o que aquela fauna anda lá a fazer; nas redes sociais, ando à deriva. Ignorância minha, certamente. Decidi, então, ler uma data de livros — que toda a gente nas redes sociais já leu — sobre o tópico, para melhorar a minha compreensão do espectáculo. 

Decidi começar pelos antigos. Há muita gente que jura que se pode entender Trump a ler Chateaubriand. Eu acredito que conhecer superficialmente uma realidade antiga, usando instrumentos modernos, é a melhor maneira de usar instrumentos antigos para não perceber a realidade moderna. Assim como assim, sempre gostei dos Flinstones. Mas estou a ser pessimista. Bismarck dizia que só uma pessoa estúpida aprende com os seus próprios erros; uma pessoa inteligente aprende com os erros dos outros. É um bom argumento para ler história, mas ninguém consegue aprender tanto, e os historiadores são prova disso.

Indeed this was the greatest movement yet known in history, not only of the Hellenes, but of a large part of the barbarian world—I had almost said of mankind.

O leitor de poesia épica vai ter uma grande desilusão; The History of the Peloponnesian War é uma anti-épica. Não há feito grandioso que não seja prontamente admoestado com várias considerações que o tornam trivial e, muitas vezes, acidental. Não há favores divinos, mas há o aproveitamento da crença em favores divinos; há coragem, mas sempre misturada com ganância e imbecilidade em doses iguais; e a honra existe mais na retórica do que em acto. 

O livro é essencialmente político, logo as minudências preambulares são tão importantes como as batalhas. Não é, então, surpreendente que as assembleias sejam mais interessantes do que as batalhas. As conspirações, traições, os abusos de ideias gerais não diferem muito do que se vê agora, mas Tucídides arruma tudo com bom estilo, e nós não temos essa sorte.

Os rivais Atenas e Esparta estão muito bem divididos, demasiado bem divididos. Atenas é apresentada como amante da liberdade (nos discursos) e inovadora, e Esparta como amante da disciplina e tradicionalista. Parece demasiado conveniente, mas os primeiros passos da guerra reflectem essas tendências. Esparta, mesmo espicaçada pelos excelentes embaixadores coríntios, aparece morosa e Atenas parece ter resposta para tudo. Atenas só parece abrandar quando, em Siracusa, perde no seu elemento, o mar. 

De resto, as batalhas decidem-se pelos atrasos, acasos e pelo horário das refeições. Política, no fundo.

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